quarta-feira, 18 de março de 2009

Organizadas em xeque em Goiás - Entrevista com Marcus Jary Nascimento

Escrevi há algumas semanas sobre a situação atual das torcidas organizadas no estado de Goiás. Depois que três torcedores da Esquadrão Vilanovense foram assassinados, segundo suspeitas, por um integrante da Força Jovem do Goiás, as organizadas foram colocadas em xeque no estado. Há pedidos pela extinção desses grupos.

O professor de Educação Física e Mestre em Educação Brasileira da Universidade Estadual de Goiás (Eseffego), Marcus Jary Nascimento, tem projeto de pesquisa sobre o assunto e organizou recentemente um debate em Goiânia com integrantes das torcidas, do Ministério Público e o deputado Luis César Bueno (PT-GO), que está pedindo o fim das organizadas. Nessa entrevista ele conta como está composta a divisão de opiniões entre esses setores da sociedade civil quanto a esse assunto e discute propostas para a diminuição da violência no futebol.

Casa do Torcedor – Gostaria que você falasse um pouco sobre a situação atual das torcidas organizadas em Goiás. Quem pede a extinção desses grupos?

No dia 05/03 fizemos um debate aqui sobre esse assunto. Estiveram envolvidos o Ministério Público, as torcidas organizadas e o deputado estadual Luis César Bueno, que é autor de um projeto de lei que proíbe torcedores organizados de adentrarem os estádios, entre outras coisas.
Lembrando que aqui as Polícias entraram com o pedido de extinção no ministério público alegando que as torcidas Esquadrão Vilanovense e Força Jovem Goiás têm envolvimento com a prática de crimes como formação de quadrilha, homicídio, etc.
A posição do Ministério Público no debate foi de não acatar o pedido por que segundo o promotor não há provas de que os crimes foram cometidos com participação das lideranças. Portanto, o promotor Marcelo Celestino declarou ser contrário à extinção, pois segundo ele não se trata problemas sociais apenas com a aplicação das leis.
O promotor chama clubes, federações e autoridades públicas para se responsabilizarem pela segurança no futebol.
Ele até lembrou que do último ajustamento de conduta feito entre ministério público, clubes, federação, torcidas e autoridades, as agremiações de torcedores foram os únicos a cumprir com o acordo.
O promotor argumenta que, se existem criminosos entre os torcedores organizados, cabe à polícia fazer o serviço de inteligência e retirar essas pessoas do convívio social. Apela também para a necessidade de pensar medidas para controlar as ações dos torcedores e não extinguir as torcidas organizadas. Até por que isso seria inconstitucional, já que a constituição assegura o direito de associação.
O que se pode pensar, segundo ele, é na extinção daquelas agremiações em que se provar o envolvimento com atos ilícitos. Aqui no caso de Goiânia, segundo ele, não há provas desse envolvimento.

CT – O que diz esse projeto de lei do deputado Luis César Bueno?

Entre outras coisas o projeto de lei do deputado proíbe a manifestação de torcidas organizadas nos torneios de futebol; proíbe a entrada de rojões e outros artefatos de pólvora ou arma branca; responsabiliza os clubes pela segurança interna dos estádios; proíbe a entrada nos estádios de menores de 16 anos.
E no seu artigo 2º define torcida organizada como qualquer aglomeração de pessoas caracterizadas por símbolos ou uniformes, que tenha algum tipo de liderança ou que sejam ligadas a associações independentes, grupos ou clubes de futebol.
Na opinião do deputado, as torcidas organizadas quando ainda tinham forma de charanga eram focos de resistência política e cultural das classes populares, mas nos anos 90 passaram a adotar a violência como prática.
Segundo ele muitas das agremiações se assemelham a organizações nazifascistas. Por isso esse tipo de agremiação não deveria adentrar os estádios.

CT - No dia 8 de fevereiro, houve o assassinato de três torcedores da organizada do Vila Nova e um torcedor da Força Jovem Goiás é o acusado do crime. Há uma relação direta entre esse caso e essas propostas das polícias e do deputado?

Foi esse fato que desencadeou o pedido de extinção, tanto por parte do deputado, quanto da Polícia.

CT - E nesse debate, que outras propostas foram colocadas para diminuir a violência nos estádios?

Os líderes das torcidas não negam que membros pratiquem crimes, mas negam a relação das agremiações com os crimes. Na opinião dos líderes de torcidas é preciso melhorar as condições de segurança como um todo. Cobraram por exemplo linhas de ônibus especiais para os integrantes de torcidas organizadas.
O promotor ressaltou a necessidades de cadastramento dos torcedores e trabalho de investigação policial para combater a criminalidade. Segundo ele, é preciso rever a conduta violenta dos policiais e até criar batalhões especializados no assunto. E acima de tudo cumprir o estatuto do torcedor. Para o promotor já há leis suficientes, o que falta é cumpri-las.
O próprio projeto do deputado ao responsabilizar os clubes pela segurança interna já é uma medida.
Eu particularmente acho que a questão é mais ampla

CT – E você, que já realizou estudos sobre a dinâmica das torcidas organizadas de Goiânia, tem qual visão sobre o assunto?

Eu penso que é preciso pensar num conjunto amplo de medidas que deve envolver a repressão, o controle das agremiações e ações sócio-educativas.
Porque veja: a violência hoje é um problema estrutural no mundo todo. Só a título de exemplo, outro dia uma pessoa se atirou com um avião dentro de um shopping aqui em Goiânia. Contudo, não há como pensarmos em resolver nossos problemas estruturais para então combatermos a violência. Essas duas esferas – a do geral e do particular – devem ser pensadas concomitantemente. Enquanto a sociedade civil e política com um todo, pensa em soluções para o graves problemas estruturais que temos, no futebol precisamos construir um leque amplo alternativas. Num certo limite não dá para descartar nem mesmo a possibilidade de extinção para os casos em que se provar o envolvimento das agremiações com atos ilícitos.
Veja só: o tipo de comportamento das torcidas organizadas reinventou no século XXI formas de se relacionar de períodos ainda primitivos de nosso processo histórico.

CT – Como assim?
Defesa de território e de símbolos com uso da violência; culto à dor e ao sofrimento como forma de purificação. Boa parte dos confrontos está ligada à defesa de territórios: queimar camisas e bandeiras dos adversários; espancar e arrancar a camisa do torcedor do time rival e até matar.
Isso tem uma semelhança muito grande com uma prática comum nas organizações tribais chamada totemismo. Então não adianta somente retirar os marginais de dentro das torcidas, è preciso rever formas organizativas das agremiações. Esse ódio, essa intolerância tem que ser combatida. Torcedores organizados buscam nas agremiações uma espécie de reafirmação social e identificação coletiva. Esse processo tem que se dar em bases socialmente aceitas.
Eu sugeri, por exemplo, a realização de projetos sócio-educativos nas escolas. Por que no levantamento que eu fiz, mais de 60% dos membros de torcidas estudam na rede pública de ensino. As células das torcidas em muitos casos estão organizadas dentro das escolas. Seria um bom exemplo de educar antes de extinguir.

CT - E essas mudanças pelas quais as organizadas estão passando aí em Goiás, como mudar o lado em que ficam em jogos entre Vila Nova X Goiás, são eficazes?

Ajuda, pois aqui a torcida do Goiás entrava pelo lado norte do estádio, exatamente a parte da cidade onde se radica majoritariamente a torcida do Vila Nova.

CT – Essa mudança partiu de quem?

Da Polícia.
Então veja: as soluções são de caráter imediato – como essa de mudar o lado da entrada – e de caráter mais amplo, como investir em projetos educativos. Qualquer tentativa de reduzir a um só aspecto fracassará.
Aqui a polícia também acabou com a escolta. Acredito que contribui. O torcedor sai de sua casa e vai direto para o local do jogo, a polícia monitora pontos estratégicos nos caminhos que dão acesso ao estádio.
Eu acompanhei várias escoltas. Os torcedores cometem pequenos atos de vandalismo ao longo do caminho, a polícia vai batendo em todo mundo, fazendo acirrar os ânimos, de modo que quando se chega até o estádio o clima já é de guerra.

CT – Para terminar, gostaria de saber o que você achou do projeto de lei assinado pelo presidente Lula que altera o Estatuto do Torcedor.

Eu estive na cerimônia lá em Brasília. Penso que as medidas são importantes, mas ainda tímidas. Efetivamente ainda não se responsabiliza legalmente clubes e federações pela organização dos espetáculos e não se pensa em medidas para humanizar os estádios. As condições de higiene e de recepção aos torcedores, por exemplo, são as piores possíveis.

CT – Foi consultado na elaboração do projeto?

Eu conversei com um colega que participa do Conselho Nacional do Esporte e ele me disse que nem o Conselho foi consultado. O problema tem que ser estudado com seriedade. Não existem medidas salvadoras.

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