segunda-feira, 16 de março de 2009

Organização feminina

Dentre as datas comemorativas comerciais, uma das que mais têm relevância é a do dia 8 de março, por toda a história que cerca a luta e os benefícios conquistados pelas mulheres.

E para fazer jus, mesmo que com esse atraso semanal, vale a pena indicar matéria veiculada no caderno Cotidiano da Folha de S. Paulo, sobre a presença de associadas do sexo feminino dentro das principais torcidas organizadas do país.

O interessante artigo assinado por Adriana Küchler, da REVISTA DA FOLHA, foi veiculado não em Esportes. Na íntegra, abaixo:

Fanática por futebol adere a torcida organizada
Superar preconceitos, enfrentar banheiros sujos e até encarar brigas, vale tudo pelo time do coração

Mãos para o alto e pernas abertas. Nessa posição, 12 torcedoras do São Paulo tiveram de ser revistadas pela Polícia Militar antes de chegar à Vila Belmiro para assistir ao clássico contra o Santos no último domingo. Cinco minutos depois da situação humilhante, elas vibravam no estádio. O jogo era mais importante.

Assim como elas, outras centenas estarão hoje, Dia da Mulher, acompanhando outro clássico, Palmeiras e Corinthians, não pela TV, mas dentro das torcidas organizadas.

É difícil quantificar o crescimento da presença das mulheres nos antigos redutos masculinos. Hoje, estima-se que elas representem cerca de 5% do contingente das organizadas.

Elas tentam se igualar a eles indo aos jogos, viajando atrás do time, gritando, xingando e às vezes se metendo em confusões. Mas também têm de enfrentar as tais revistas constrangedoras, banheiros imundos e restrições impostas por eles, que chegaram primeiro.

Quem manda na torcida são os machos. Eles decidem em que caravanas as meninas podem ir. "A gente respeita. Mulher não tem vez", diz Priscila Bernardino, 25, que frequenta, desde 1994, a Gaviões da Fiel, organizada do Corinthians. "Antes, nem deixavam a gente ir a clássico", diz Érika Papangelacos, 27, 15 anos de Gaviões.

O machismo ainda marca presença nas torcidas. Apesar da crescente presença das mulheres, elas não participam da direção. Mas, pouco a pouco, vêm ganhando voz. "Muito homem não aceita que mulher possa gostar de futebol sem ser para ver perna de jogador", diz Amanda de Oliveira, 20, do Bonde Feminino, ala de meninas da Dragões da Real, organizada do São Paulo.

Ela explica que só ganham respeito depois que demonstram entender de futebol.

Reproduzir certas características do comportamento masculino é uma tendência entre as integrantes de torcidas organizadas. "Há até cinco anos, era possível observar que as mulheres só eram bem aceitas nas torcidas se tivessem um comportamento semelhante ao masculino", diz Heloisa Reis, ex-jogadora e professora da Unicamp que pesquisa os aspectos sociais do futebol.

De uns anos para cá, com a criação do Estatuto do Torcedor, destaca ela, cresceu nos estádios a presença não só de mulheres mas das esposas e filhas. Nos anos 1910 e 1920, elas frequentavam jogos de futebol como eventos sociais. Os estádios eram dos poucos lugares em que as mulheres podiam se expor socialmente, diz Leda Maria da Costa, pesquisadora vascaína, autora do estudo "Lugar de Mulher É na Arquibancada". Mas, com a popularização do esporte, a imagem do glamour feminino desapareceu.

Excesso de feminilidade

Sempre preocupadas em manter a "postura", as integrantes das organizadas vivem na corda bamba para não despencar no excesso de feminilidade. O medo: parecer uma maria-chuteira ou maria-torcida.

"Elas mal entram na organizada e já tão "pegando" um monte", diz Amanda. "Conversa do jogo elas não entendem nada." Segundo as torcedoras autênticas, as marias são aquelas que vêm de saia e salto e só querem saber de festa. Para as "organizadas", as marias-torcida não sobrevivem até o segundo tempo. Mudam de time quando trocam de namorado.

Preconceito às avessas

Há quem incentive a presença das mulheres no ambiente esportivo como um estímulo à redução da violência. A polêmica teoria é defendida pelo britânico Eric Dunning, pioneiro em estudos de sociologia do esporte. "Esse é um preconceito às avessas, ancorado no estereótipo de mulher passiva e frágil", diz a pesquisadora Leda.

Não há sinal de passividade quando a torcida rival entra em campo. No encontro que a Folha promoveu entre uma integrante da Gaviões e outra da Dragões, a corintiana afirmou que não participaria com uma torcedora da Independente, outra organizada do São Paulo.

Há torcedoras que se metem em briga por querer. "É a mina-mano", diz Priscila. "Azar o dela, que se acha mulher-maravilha. Que apanhe de homem."

Elas também dispensam a solidariedade entre mulheres. Se vê uma garota de outra torcida em má situação, Priscila é categórica: "Passo reto". Para Amanda, a regra é clara. "Quando você vai a um clássico, sabe o perigo que está correndo."

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