Matéria desta quinta-feira, assinada por Marina Guimarães e Almir Leite, veiculada no jornal O Estado de S. Paulo:
Argentina adota cadastro para tentar conter os ‘barra bravas’
A partir de 2010, todo torcedor que quiser ir a um estádio terá de portar um cartão magnético que o identificará
Quatro milhões de torcedores cadastrados. Esse é o ambicioso plano da Associação de Futebol Argentino (AFA), em mais uma tentativa de controlar a violência que se tornou parte integrante do futebol do país. O objetivo é adotar, a partir do próximo ano, um moderno sistema de identificação que permita à entidade, e principalmente à polícia, saber quem vai ao estádio e localizar a pessoa com rapidez, se necessário. O alvo são os “barra bravas”, os violentos torcedores que a cada rodada protagonizam cenas de selvageria em vários cantos do país.
O projeto vai consumir pelo menos US$ 23 milhões (R$ 54,8 milhões). Na previsão está incluído o custo das obras necessárias nos estádios para se adequar ao sistema.
O controle proposto pela AFA será por meio de cartões de identificação com microchip de alta segurança, como os utilizados na confecção dos passaportes do Vaticano. Terá nome, foto, número de um documento de identidade e a impressão digital do torcedor. Sua apresentação será obrigatória ao comprar o ingresso. A entidade garante que não haverá venda para quem não possuir o cartão. Também promete que o acesso dos torcedores ao interior dos estádios se dará somente por meio dos cartões e dos bilhetes magnéticos e que será criado um sistema que evite aglomerações ao redor das catracas.
O presidente da AFA, Julio Grondona, disse que a medida visa a afastar os “barras bravas” dos campos de futebol, “para que as famílias voltem aos estádios”. Entende que, dessa vez, a iniciativa terá sucesso. No entanto, medidas anteriores, também consideradas radicais, como a realização de jogos com a presença de uma só torcida - no caso do clássico Boca Juniores e River Plate, por exemplo, só a torcida do Boca entrava em La Bombonera e a do River no Monumental de Nuñez - e a suspensão de partidas, fracassaram.
Isso porque, na Argentina, as violentas brigas não se limitam ao interior dos estádios. As sessões de pancadaria também ocorrem do lado de fora e até em locais distantes, como estradas. A consequência é que só em 2008 foram registradas mais de 20 mortes de torcedores.
Além disso, existe uma relação estreita entre muitos dirigentes de clubes e os “barra bravas”. Dessa forma, suspeitas de extorsão, coação e associações ilegais se tornaram comuns.
São corriqueiros os encontros de “torcedores” com técnicos, jogadores e dirigentes. Bem como atos de vandalismo, como o de 26 de janeiro passado, quando 40 “simpatizantes” do Newell’s Old Boys, descontentes com a quantidade de ingressos gratuitos que lhes foi destinada, simplesmente depredaram a sede do clube. Grondona já admitiu há algum tempo que todas as medidas adotadas para tentar conter a violência deram em nada.
“Nem as câmeras, nem os ingressos magnéticos, nem os caros sistemas de segurança que pagamos funcionaram. Nada foi suficiente”, reconheceu em dezembro de 2007, quando assinou o convênio com a Universidade Tecnológica Nacional (UTN) para o desenvolvimento do projeto para identificar o torcedor ao entrar no estádio, que pretende implementar agora.
O Comitê Executivo da AFA já deu sinal verde para a assinatura do contrato que colocará em andamento o Padrão Único de Identificação de Aficionado (Puia). O contrato será assinado na próxima semana entre a entidade e várias empresas que se associaram à iniciativa.
De acordo com o diretor de operações do projeto, Jorge Fraga, a medida entrará em vigor para os jogos da Primeira Divisão em 2010 e logo se estenderá aos estádios de Córdoba, Mendoza, Mar del Plata. No final de maio, será realizada uma prova piloto em Lanús. “Até o fim do ano, todos os estádios da Primeira Divisão de todo o país terão sido modificados”, disse.
Para realizar o que os argentinos estão chamando de “recenseamento”, a Associação de Futebol colocará centros específicos nos 20 clubes de primeira e em 127 ligas do interior. A medida afeta qualquer pessoa que deseja entrar em um estádio de futebol argentino, incluindo jornalistas. Mas não foram divulgados ainda alguns detalhes. Entre eles, por exemplo, sobre como será o acesso ao estádio de estrangeiros que visitam o país e querem assistir a um jogo entre clubes ou mesmo da seleção argentina.
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